O Espiritismo, enquanto
Doutrina Espírita, é um só e não possui divisões. O Movimento Espírita
Brasileiro (não posso falar do exterior), contudo, possui diversas divisões,
frutos de interpretações e sincretismos diferenciados. Neste texto, o objetivo
é nomear estes segmentos e tentar defini-los em breves palavras. Nem todos
concordarão com essa divisão e novos segmentos podem ser adicionados ou
retirados, conforme o caso. É preciso observar, também, que vários segmentos podem adotar as mesmas práticas.
Movimento religioso.
Origem:
A origem
desse segmento está ligada ao processo de organização do Espiritismo no Brasil,
ainda na década de 1870, com a fundação da Sociedade de Estudos Espíritas Deus,Cristo e Caridade (lema que até hoje figura na “bandeira” da FEB), no Rio de
Janeiro. Essa vertente surgiu da divergência com outra corrente, então chamada
“científica”. É o segmento mais antigo no Brasil e responde pelo maior
contingente de espíritas no Brasil e estende sua influência até o exterior.
Possuem mais de 10 mil grupos filiados, o que nos leva a pensar que seus
membros passem de um milhão.
Base doutrinária:
Fundamentalmente,
mas não necessariamente, vinculados à FEB (Federação Espírita Brasileira). Propagam
que o Espiritismo possui três aspectos: científico, filosófico e religioso.
Contudo, na prática, difundem um espiritismo religioso (muitas vezes os centros
deixam claro em seu estatuto tratar-se de uma entidade religiosa) e possuem
muita proximidade com o Catolicismo. Grande parte de seus membros são
ex-católicos e é comum encontrarmos referências a santos católicos nestes centros,
seja pelo nome do centro espírita, seja por quadros ou mesmo em preces
(referências à Maria como “nossa mãe santíssima”, etc.). São extremamente
apegados à figura de Jesus, elevando-o a condição de “Governador da Terra”.
Atividades:
Buscam,
através da FEB, unificar o Movimento Espírita. Isto é, criar um “modelo de
gerenciamento espírita”, de modo que os mais diversos grupos, espalhados pelo
Brasil, tenham uma prática bastante semelhante. Esses grupos geralmente
realizam palestras públicas (normalmente centradas no livro O Evangelho Segundo
o Espiritismo), promovem trabalhos de “catecismo espírita”, chamados de
Evangelização Infantil, para crianças e mocidade, para jovens. Possuem um bom
trabalho de assistência material (normalmente, servindo sopa e almoço nos
centros espíritas para pessoas pobres), oferecem serviços de passes,
desobsessão e, em menor escala, grupos de desenvolvimento mediúnico. Os grupos
de estudos, normalmente, se dão em torno dos livros de André Luiz ou numa série
de apostilas intituladas ESDE (Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita).
Livros:
Embora
se divulgue e incentive a leitura das obras de Kardec, este segmento valoriza a
obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo” acima de todas as demais e reforçam
suas crenças através das obras do Espírito André Luiz (psicografado por Chico
Xavier/Waldo Vieira) que consideram “obras complementares” às de Kardec. Esta
é, possivelmente, a vertente que mais consome romances mediúnicos, tomando-os
como referência, desde que sejam coerentes com os livros de Chico Xavier.
Representantes:
Bezerra
de Menezes, Chico Xavier e Divaldo Franco.
Movimento filosófico-religioso
Origem:
Não há uma data precisa sobre a origem desse movimento,
que se intensificou entre os anos de 1950-1970, principalmente na cidade de São
Paulo. Não possuem muitos membros (talvez, no máximo, algumas centenas) e são
mais frequentemente vistos na cidade do Rio de Janeiro.
Base doutrinária:
Esse movimento
caracteriza-se por um forte apelo à “pureza doutrinária” (isto é, conservar o
Espiritismo aos moldes de Kardec) e pela crítica direta e, muitas vezes, dura,
à FEB e ao Movimento Espírita Brasileiro. Consideram o Espiritismo como uma
“religião, mas não uma igreja” e possuem forte tendência filosófica, além de um
profundo estudo da obra de Allan Kardec e da Revista Espírita, pouco explorada
em outros segmentos. Tendem a ver a obra de Kardec como inspiração Divina.
Atividades:
Palestras públicas, seminários e publicação de
jornais. O trabalhado caritativo, neste seguimento, é muito diversificado .
Livros:
Todos os livros de Allan
Kardec. Dois outros livros que certamente marcaram época neste seguimento,
foram: Conscientização Espírita, de Gélio Lacerda e O Verbo e a Carne, de
Herculano Pires e Júlio Abreu Filho.
Representantes:
Herculano Pires, Júlio Abreu
Filho, Gélio Lacerda e, atualmente, Sérgio Aleixo.
Movimento Laicista
Origem:
Pode-se dizer que este
movimento esteve presente desde o surgimento do Espiritismo. Contudo, ele tomouforma no ano de 1888, no congresso de Barcelona, onde o caráter Laico foi
reafirmado. Na América do Sul, ele se consolida em 1946, em Bueno Aires,
Argentina, com a criação da Confederação Espírita Pan-Americana, propagando uma
visão “laica, progressista, humanista e livre-pensadora do Espiritismo”. Não se
pode dizer sobre seu contingente na América Latina e do Sul (onde possuem
representação em diversos Países, ainda que pequena, se comparada à da FEB). No
Brasil, encontram-se alguns grupos principalmente nas cidades de Porto Alegre,
João Pessoa e Santos, somando-se algumas centenas de membros.
Base doutrinária:
Este movimento acentua-se
pelo estudo da obra de Allan Kardec (por isso, dizem-se Kardecistas, termo
comum nesse segmento, ao contrário dos demais) e pela comparação com outras
modalidades de pensamentos. É a vertente mais “aberta e tolerante” e com forte
inclinação histórico-social e humanista. Não veem o Espiritismo como “Revelação
Divina”, e sua proposta é sempre de diálogo com os diversos grupos e correntes
do Espiritismo. Sua principal característica é o posicionamento laico, isto é,
não religioso do Espiritismo. Sofrem forte crítica dos demais segmentos por
propor que o Espiritismo deva ser atualizado perante a ciência e demais áreas
do conhecimento humano, ainda que não se proponha a fazê-lo.
Atividade:
Palestras, congressos, rádio, jornais e lista
de debates via internet.
Livros:
Obras de Allan Kardec
Representantes:
Amália Domingo y soler,
Humberto Mariotti, Jaci Régis e, atualmente, Milton Medran Moreira.
Movimento Evangélico
Origem:
Entre 1950-1970, em São Paulo, através da
fundação da Escola de Aprendizes do Evangelho, cuja proposta é: “de um programa organizado para proporcionar a vivência
do Cristianismo como proposta essencial de aperfeiçoamento moral da Humanidade
através da Reforma Íntima do ser”. Estão concentrados na região Sudeste do
Brasil e seu contingente é de alguns milhares de membros.
Base
Doutrinária:
Assim como o movimento religioso, o movimento evangélico
(mas, não protestante) possui uma forte tendência Cristã. Seus programas de
estudo visam um amplo conhecimento do Cristianismo primitivo e seus membros se
caracterizam pela busca constante de melhoria moral. Estudam e incentivam o
estudo das demais obras de Allan Kardec, mas tendo por foco o Evangelho.
Atividades:
Este grupo, basicamente, atua em três áreas distintas:
a) Escola de Aprendizes do Evangelho (estudo profundo do Cristianismo em busca
de desenvolvimento moral);
b) Curso de Médiuns (famosos cursos com duração de 18
meses para formação de médiuns capacitados para o trabalho no Centro Espírita);
c) Atendimento Espiritual.
Livros:
Desenvolvimento
Mediúnico (Edgar Armond), Passes e Radiações (Edgar Armond)
Representantes:
Edgar Armond
Movimento Esotérico ou Místico
Origem:
Início
dos anos de 1950. O principal expoente deste movimento é o espírito Ramatís (um
caso curioso, já que os outros movimentos foram iniciados por encarnados),
através do médium Hercílio Maes. Juntos, produziram mais de 10 obras. Uma característica
curiosa desse movimento é a falta de uniformidade. Enquanto os demais segmentos
são mais ou menos homogêneos, neste há um contexto sincrético profundo e
diferenciador. Adotam, além das obras de Allan Kardec, as obras do espírito
Ramatís como referência e também aspectos e ensinos das culturas Orientais e
Indianas. Muitos espíritos que dão comunicações nestes grupos relatam terem vividos
nessas culturas. Sofrem muito preconceito do movimento geral, que geralmente
negam-lhes caráter espírita. Estão mais particularmente concentrados nos
estados de São Paulo e Rio de Janeiro, embora haja membros em todo o Brasil.
Respondem por alguns milhares de membros.
Base Doutrinária:
Adotam
os livros de Allan Kardec, Chico Xavier e alguns outros médiuns, mas sua fonte
central de informação, normalmente, são as obras de Ramatís, além de explorarem
conhecimento do Oriente e da Índia. Adotam o conceito de Karma, Chacras e
terapias alternativas (apometria, cromoterapia, etc). Por conta do preconceito
sofrido, muitos membros preferem denominar seus centros de “fraternidade” ou
utilizar o nome “espiritualista” ao invés de espírita.
Atividades:
Foco
no tratamento espiritual, através de cromoterapia, terapia Prânica,
Desobsessão, fitoterapia (às vezes, homeopatia via receituário mediúnico), etc.
Livros:
Todas
as obras de Allan Kardec. Todas as obras de Ramatís, através dos mais diversos
médiuns. Alguns livros de Edgar Armond.
Representantes:
Hercílio
Maes, Wagner Borges
Movimento Ortodoxo
Origem:
Este é o mais novo dos
movimentos espíritas e sua principal característica é a ortodoxia. Seu
surgimento se deu através da rede social Orkut entre os anos de 2004 e 2008.
Atualmente, preferem não mais utilizar o termo “ortodoxo”, apesar de o terem
feito inicialmente. Seus membros estão por todo o Brasil, apesar de somarem-se
apenas algumas centenas.
Base Doutrinária:
Exclusivamente os livros de
Allan Kardec. Buscam resgatar o caráter científico-filosófico do Espiritismo,
posicionando-o como uma “ciência aplicada” no cotidiano. Outra característica
desse segmento é o profundo desdenho com o diferente. Normalmente, seus membros
não aceitam a opinião de outros segmentos, que sempre rotulam como errôneas
interpretações das obras de Allan Kardec.
Atividades:
Quase todas se limitam às
redes sociais Orkut e Facebook, onde discutem os mais diversos temas através de
fóruns.
Livros:
Todos os livros de Allan
Kardec.
Representantes:
Este segmento não possui
nenhum representante de grande abrangência.
Movimento Universalista
Origem:
Não há uma data específica
sobre o surgimento deste movimento. Ele parece existir desde o princípio do
Espiritismo no Brasil e tem se intensificado nos últimos anos. Seu contingente
atinge alguns milhares de espíritas, por todo o Brasil.
Base Doutrinária:
Uma das características
desse movimento é o sincretismo religioso. Adotam influências das mais diversas
correntes do pensamento humano (catolicismo, protestante, budista, indiana,
hindu, afro, indígena, conceitos da física quântica, etc). São muito próximos,
em termos de identidade ao movimento esotérico. Contudo, diferenciam-se ao
propor um diálogo religioso universalista (e agregacionista) em termos de
Espiritismo. Adotam as obras de Allan Kardec e quaisquer outras, desde que
sejam obras que demonstrem amor e boa-vontade. Seus membros mostram-se pessoas
muito afetivas e absorvem influência de todos os credos. Costumam dizer que o
que importa é o amor, e veem as demais religiões como boas, desde que ajudem
seus membros a se tornarem pessoas melhores. Uma curiosidade sobre este segmento
é que dificilmente ele se consolida em grupos e, quando o faz, geralmente são
isolados, são mais facilmente encontrados entre outros segmentos.
Livros:
Todo livro espírita e
espiritualista.
Representantes:
Benjamin Teixeira
Movimento “daimista”
Origem:
Entre 1940-1960. Este
segmento é o que menos possui relação direta com o Espiritismo, muito embora
adotem o termo “espírita” em suas casas e encontros. Basicamente se divide em
duas ramificações, sendo a “Barquinha”, fundada na década de 1940 e a "União doVegetal", fundada na década de 1960. Cada uma com suas particularidades
doutrinárias.
Base doutrinária:
Ao contrário dos demais
segmentos que buscam fundamentar suas práticas em autores consagrados, este
segmento defende a busca do ser humano pelo autoconhecimento através de si
mesmo, possuem muita proximidade com as crenças Indígenas. Fazem uso de uma
bebida enteógena ou alucinógena (conforme se entenda), chamada Ayahuasca ou “daime”, como é popularmente conhecida. Estes grupos, normalmente,
se formam nas matas ou regiões verdes, distantes dos centros urbanos. Seu
contingente é de alguns milhares de membros que podem ser encontrados em todo o
Brasil, com maior concentração na região Norte. Por fazer uso dessa substância,
que, segundo os membros, facilitam a expansão da consciência, não são
considerados como espíritas por grade parte do movimento espírita organizado.
Alguns adeptos também preferem não se identificar como espíritas.
Atividades:
Reúnem-se semanalmente ou quinzenalmente para promover
palestras ou uso do chá em atividades que podem durar longas horas e
trabalhados caritativos.
Livros:
Não há uma base doutrinária, apesar de estudarem obras
que abordem a prática do “daime”.
Representantes:
Mestre Gabriel e Daniel Pereira de Mattos.
Movimento
Livre-Pensador
Origem:
Não há uma data específica. Este movimento existe desde o
surgimento do Espiritismo. Atualmente, seus membros encontram-se espelhados por
outros segmentos, embora grade parte não atue em um centro espírita
institucionalizado. Seu contingente é de algumas centenas.
Base
doutrinária:
Este segmento adota as obras de Allan Kardec como base e,
sobre ela, fazem seus estudos e críticas. Sua principal característica é a
criticidade e contextualização das obras de Allan Kardec. São vistos, pelos
demais movimentos, como polêmicos, uma vez que seu posicionamento crítico pode
gerar incômodos, especialmente quando analisados de um ponto de vista
histórico-social. A leitura das obras de Allan Kardec, neste segmento, não é
feita de forma científica, filosófica ou religiosa. Geralmente, seus membros
veem o Espiritismo como fruto de uma época em que pesava as influências
cartesianistas e positivistas do século XIX e sua adesão ao Espiritismo é,
simplesmente, uma afinidade de pensamentos. Normalmente também não aceitam a
opinião que diz ser o Espiritismo o consolador prometido por Jesus ou terceira
revelação, pois entendem que tal postura é excludente.
Atividades:
Quando participantes de um centro espírita, estão mais
ligados a organização de estudos ou palestras, embora também estejam presentes
em outras atividades. Uma grande parte desses membros atua pela internet, seja
através das redes sociais, blogs, fóruns, etc. Possuem muita semelhança com o
movimento laico.
Livros:
Todas as obras de Allan Kardec, livros científicos em
geral e, eventualmente, algum romance.
Representantes:
Este segmento não possui representante de grande abrangência.
Movimento
Científico
Origem:
Pode-se dizer que este movimento iniciou-se com Kardec,
pois pretendia, com o Espiritismo, formar uma nova ciência (como posteriormente
se tentou com a metapsíquica, e depois com parapsicologia). Este movimento
surge da cisão com um movimento religioso que se formava ainda quando Kardec
estava vivo, na França. Atualmente, não há registro da existência desse
movimento, sendo praticamente extinto.
Base
doutrinária:
Este movimento adotava como base doutrinária os livros de
Allan Kardec, mas buscavam ler estas obras com viés científico. Tentavam, de
todas as formas, evidenciar a existência dos “fenômenos espíritas” através de
experimentações científicas. Foram muito populares no fim do século XIX einício do século XX. Contudo, os resultados produzidos eram, quase sempre,
pequenos e com frequência descobriam-se fraudes, o que ajudou a enfraquece essa
corrente. Por volta da década de 1860, quando se começou a criar grupos
espíritas com certa regularidade no Brasil, havia uma tensão muito grande entre
grupos de cunho religioso e grupos de cunho científico, o que frequentemente
culminava em cisões que originavam outros grupos. Os espíritas de cunho
religioso, até mesmo pelo contexto cultural-religioso do Brasil, terminaram se
tornar maioria e hoje praticamente não existe mais o movimento científico do
Espiritismo.
Obs.:
Existem alguns poucos pesquisadores que tratam do espiritismo como objeto de
ciência. Geralmente, de cunho histórico-social. Contudo, estes pesquisadores,
normalmente, estão inseridos em alguns dos outros segmentos, não formando, até
o momento, um segmento científico próprio.
Livros:
Obras de Allan Kardec de livros científicos em geral.
Representantes:
Ernesto Bozzano, Camille Flammarion, Alexander Aksakof.
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